Cangaço: o que foi, contexto histórico, características e como terminou
O cangaço foi um movimento de banditismo social que surgiu no sertão nordestino entre o final do século XIX e início do século XX, caracterizado pela atuação de grupos armados que desafiavam a autoridade do Estado em meio à pobreza e à seca.

O que foi o cangaço?
O cangaço foi um movimento de banditismo social que se desenvolveu principalmente no sertão nordestino entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Caracterizado pela atuação de grupos armados, os cangaceiros impunham sua presença por meio de saques, combates, alianças com coronéis e, em certos casos, pelo apoio popular. Esses grupos percorriam longas distâncias, enfrentando a repressão policial e as adversidades do sertão, enquanto construíam uma identidade marcada pela resistência e pela violência. Embora sejam frequentemente vistos como criminosos, os cangaceiros também foram interpretados como figuras de contestação à ordem vigente, sobretudo nas regiões onde o Estado era ausente.
Contexto histórico
O cangaço floresceu em um cenário de extrema desigualdade social, política e econômica no sertão nordestino. O fim da escravidão, a crise do Império e a consolidação da República não trouxeram melhorias significativas para a população sertaneja, que continuava submetida ao poder dos grandes proprietários rurais, os chamados coronéis. Estes exerciam forte controle sobre as populações locais por meio do coronelismo e do clientelismo, ao mesmo tempo em que mantinham relações ambíguas com os cangaceiros, ora os combatendo, ora os contratando como jagunços para defender seus interesses.
Outro elemento importante desse contexto foi a seca, fenômeno recorrente na região, que agravava a pobreza, gerando migração, fome e instabilidade. Nesse ambiente hostil, muitos jovens sertanejos viam no cangaço uma forma de sobrevivência, proteção ou até mesmo ascensão social. A ausência de um aparato estatal efetivo na região contribuiu para o fortalecimento dessas quadrilhas, que passaram a agir como autoridades paralelas em diversas localidades.
Características do cangaço:
- Violência e enfrentamento armado: os cangaceiros se destacavam pelo uso constante da violência como instrumento de dominação e sobrevivência. Utilizavam armas de fogo, emboscadas e táticas de guerrilha contra forças policiais e inimigos locais.
- Vestimenta característica: os membros dos bandos usavam roupas de couro reforçadas para enfrentar a vegetação espinhosa da caatinga, chapéus enfeitados, cartucheiras cruzadas no peito e, em muitos casos, adornos como espelhos, medalhas e moedas costuradas nas roupas. Essa estética peculiar ajudava a identificar e a distinguir os grupos.
- Mobilidade constante: para escapar das volantes (grupos de perseguição policial) e explorar novas áreas, os cangaceiros estavam sempre em deslocamento, conhecendo bem os caminhos e trilhas do sertão, o que lhes conferia grande vantagem tática.
- Justiça paralela e retaliação: em algumas comunidades, os cangaceiros eram vistos como defensores dos pobres ou executores de uma justiça que o Estado negligenciava. Atos de vingança, proteção a famílias e represálias a abusos cometidos por autoridades locais alimentavam uma ambiguidade moral em sua imagem pública.
- Relações com os coronéis: embora perseguidos pelo Estado, muitos cangaceiros estabeleciam alianças com coronéis locais, oferecendo proteção ou realizando serviços específicos em troca de abrigo, informações ou imunidade.
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Bando do cangaceiro Lampião |
Exemplos de cangaceiros famosos da época:
- Lampião (Virgulino Ferreira da Silva): considerado o mais famoso cangaceiro da história brasileira, Lampião entrou para o cangaço em busca de vingança após o assassinato de seu pai. Comandou um dos bandos mais organizados e temidos do Nordeste. Era estrategista, carismático e mantinha contatos com políticos e coronéis. Sua figura dividia opiniões: para alguns, era um herói popular; para outros, um assassino cruel.
- Maria Bonita (Maria Gomes de Oliveira): companheira de Lampião, foi a primeira mulher a integrar de forma permanente um grupo de cangaceiros. Tornou-se símbolo da presença feminina no cangaço e da quebra de papéis tradicionais de gênero. Sua coragem e postura ativa no bando inspiraram outras mulheres a seguirem o mesmo caminho.
- Corisco (Cristino Gomes da Silva Cleto): conhecido como "Diabo Loiro", foi um dos principais tenentes de Lampião. Após a morte do líder, tentou manter a luta armada contra as volantes, sendo perseguido até ser morto em 1940. Corisco era conhecido por sua violência extrema, mas também por sua lealdade e bravura.
Como terminou o cangaço?
O fim do cangaço ocorreu entre o final da década de 1930 e o início dos anos 1940. A morte de Lampião, Maria Bonita e parte de seu bando, em 1938, durante uma emboscada organizada pelas volantes em Angico, no estado de Sergipe, marcou o começo da desarticulação definitiva do movimento. Após esse episódio, muitos cangaceiros se entregaram ou foram capturados e mortos.
O governo de Getúlio Vargas, ao centralizar o poder e fortalecer as instituições do Estado, intensificou o combate ao banditismo no interior. As forças repressoras passaram a atuar de forma mais eficaz, e as condições sociais e políticas do sertão começaram a se modificar lentamente. A combinação entre repressão militar, fim das principais lideranças e mudanças estruturais selou o fim do cangaço como fenômeno de grande escala. Contudo, o legado cultural e simbólico dos cangaceiros permanece vivo na literatura de cordel, no cinema, na música e na memória popular nordestina.
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Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela USP)
Publicado em 02/05/2025
Veja Também
Fontes de Pesquisa e Bibliografia Indicada
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. História do Cangaço. São Paulo: Global, 1997.