Política do Café com Leite: o que foi, contexto, características e funcionamento
A Política do Café com Leite foi um acordo informal de alternância no poder entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais durante a Primeira República, que garantiu o controle político do país por meio de alianças e manipulações eleitorais.

O que foi a Política do Café com Leite?
A chamada Política do Café com Leite foi uma expressão usada para descrever o arranjo político dominante no Brasil durante a Primeira República (1889–1930), caracterizado pela alternância no poder entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. O nome remete às principais atividades econômicas desses estados: o café, produto central da economia paulista, e a produção leiteira e agropecuária, de forte presença na economia mineira. Essa política informal consistia num acordo tácito entre os partidos e elites estaduais para garantir a manutenção do poder nas mãos da aristocracia rural, garantindo estabilidade e controle político sobre o governo federal por meio da presidência da República.
Como funcionava?
Esse sistema funcionava por meio de uma rede de alianças políticas e clientelistas que envolviam os governos estaduais, os coronéis locais e o governo federal, formando a base do que ficou conhecido como "Estado Oligárquico". Por meio do controle do aparelho estatal e das instituições eleitorais, especialmente com o uso da fraude e do voto de cabresto, as oligarquias conseguiam manter o domínio político e garantir a sucessão presidencial entre os representantes dos estados dominantes.
Contexto histórico
A Política do Café com Leite surgiu durante a Primeira República, período marcado pela descentralização do poder e pelo predomínio das oligarquias estaduais, especialmente de São Paulo, principal produtor de café, e de Minas Gerais, com forte tradição política. Após a Proclamação da República e com a Constituição de 1891, o Brasil manteve uma economia agroexportadora e um sistema político excludente, baseado em alianças entre elites regionais, clientelismo e manipulação eleitoral, permitindo que esses dois estados alternassem o controle da presidência e moldassem a política nacional conforme seus interesses.
Características da Política do Café com Leite:
- Aliança entre elites estaduais: o poder federal era compartilhado, de forma alternada, pelas oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, os dois estados mais influentes economicamente e politicamente da época.
- Voto de cabresto: a manipulação dos votos, especialmente nas zonas rurais, era praticada por coronéis que controlavam os eleitores por meio de coerção, promessas de favores ou violência, comprometendo a legitimidade democrática do processo eleitoral.
- Fraudes eleitorais: eleições eram marcadas por fraudes sistemáticas, como a falsificação de atas e listas de votação, exclusão de adversários políticos e manipulação de resultados para garantir o sucesso dos candidatos ligados à aliança dominante.
- Coronelismo: o poder político local estava nas mãos dos "coronéis", grandes proprietários de terra que exerciam influência sobre os eleitores e controlavam o acesso aos serviços públicos, funcionando como intermediários entre o povo e o Estado.
- Política dos governadores: tratava-se de uma prática pela qual o presidente da República apoiava os governadores estaduais e, em troca, estes garantiam o apoio político necessário ao governo federal, criando uma base de sustentação estável no Congresso.
- Economia agroexportadora: o arranjo político sustentava um modelo econômico voltado à exportação de produtos primários, especialmente o café, o que favorecia as elites agrárias e impedia a diversificação da economia nacional.
Consequências da Política do Café com Leite
A Política do Café com Leite consolidou um sistema excludente e antidemocrático que impediu a participação efetiva da maior parte da população na vida política nacional. A perpetuação do poder nas mãos de uma minoria privilegiada manteve desigualdades sociais profundas, limitou o desenvolvimento de uma economia mais industrializada e restringiu o surgimento de uma sociedade civil autônoma. A centralização do poder em São Paulo e Minas Gerais gerou insatisfações em outros estados, que se sentiam marginalizados do processo político.
O desgaste desse arranjo ficou evidente na década de 1920, quando começaram a surgir movimentos de oposição, como o tenentismo e a Aliança Liberal. A ruptura definitiva da Política do Café com Leite ocorreu em 1930, com a Revolução liderada por Getúlio Vargas, que impediu a posse de Júlio Prestes, candidato paulista eleito à presidência, e deu início a uma nova fase da política brasileira, marcada pela centralização do poder e o fortalecimento do Estado nacional.
Como terminou?
A Política do Café com Leite terminou com a Revolução de 1930, movimento liderado por setores dissidentes das oligarquias, militares e grupos da classe média urbana insatisfeitos com a hegemonia paulista-mineira. A crise foi desencadeada pela quebra do acordo de alternância no poder, quando o presidente Washington Luís, de São Paulo, apoiou outro paulista, Júlio Prestes, para sucedê-lo, contrariando a expectativa de que um mineiro fosse o próximo presidente. A vitória eleitoral de Júlio Prestes, contestada por denúncias de fraude, e o assassinato de João Pessoa, vice de Vargas, intensificaram a instabilidade. A Revolução impediu a posse de Prestes e levou Getúlio Vargas ao poder, encerrando o ciclo oligárquico e dando início a uma nova fase centralizadora da política brasileira.
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Charge de 1925 sobre a Política do Café com Leite no Brasil. Autor: Alfredo Stoni, revista Careta, agosto de 1925 (Acervo Biblioteca Nacional). |
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Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela FFLCH-USP)
Publicado em 07/06/2025
Veja Também
Fontes de Pesquisa e Bibliografia Indicada
PONTES, José Alfredo Vidigal. A política do café com leite: mito ou história? São Paulo: Editora Ática, 2013.