Revolta da Cachaça: o que foi, contexto, causas e consequências
A Revolta da Cachaça foi um movimento de resistência dos colonos do Rio de Janeiro contra a autoridade metropolitana portuguesa, motivado pela proibição e taxação da produção da cachaça, evidenciando o descontentamento com a coroa portuguesa.

O que foi a Revolta da Cachaça?
A Revolta da Cachaça foi um levante popular ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 1660, no período do Brasil Colonial, durante a vigência do domínio português. Essa insurreição foi liderada por membros da população local (notadamente colonos e comerciantes) em resposta à imposição de restrições severas à produção e comercialização da aguardente de cana, bebida popularmente conhecida como cachaça. Também chamada de Revolta do Barbalho, em referência a Jerônimo Barbalho Bezerra, sesmeiro e um dos principais líderes, a revolta refletiu tensões econômicas, políticas e sociais entre os colonos e a administração metropolitana portuguesa, marcando um episódio importante da resistência contra o controle fiscal e monopolista da Coroa.
Contexto histórico
Durante o século XVII, o Brasil encontrava-se sob o domínio do Império Português, cuja economia era fortemente centrada na produção e exportação de açúcar. A sociedade colonial era marcada por uma estrutura agrária escravista, dependente da mão de obra dos africanos escravizados, e por uma rígida hierarquia de poder. O Rio de Janeiro, embora ainda distante de se tornar a capital da colônia, já despontava como um centro comercial e estratégico relevante, com circulação de mercadorias internas e externas.
Nesse contexto, a produção da cachaça, feita a partir da cana-de-açúcar, tornou-se uma atividade comum entre os colonos, especialmente por sua praticidade e valor de troca. A bebida era consumida localmente, mas também era empregada no comércio de escravizados na costa africana, funcionando como um dos produtos de escambo no tráfico negreiro. Diante de sua importância econômica, a cachaça passou a ser vista como uma ameaça aos interesses metropolitanos, sobretudo porque sua produção concorria com o vinho e a bagaceira portugueses, produtos oficialmente protegidos pela Coroa.
Causas da Revolta da Cachaça:
- Proibição da produção e venda da cachaça: em 1649, a Coroa Portuguesa decretou a proibição da fabricação e comercialização da aguardente na colônia. Essa medida visava proteger os produtos portugueses e manter o controle sobre a economia colonial, mas atingiu diretamente os interesses de produtores e comerciantes locais.
- Carga tributária excessiva: além da proibição, a população colonial enfrentava altas taxas fiscais sobre diversos produtos, o que causava crescente insatisfação entre os colonos, já pressionados pela manutenção do sistema escravista e pelas obrigações econômicas com a metrópole.
- Autonomia econômica dos colonos: muitos produtores desejavam maior liberdade para conduzir seus negócios e viam a cachaça como uma forma de independência frente ao monopólio português. A repressão à aguardente era vista, portanto, como uma tentativa de limitar a autonomia local.
- Tensões com o governo de Salvador Correia de Sá e Benevides: o governador era percebido como um agente direto da política centralizadora portuguesa. Seu apoio à repressão da cachaça e sua postura autoritária contribuíram para a animosidade popular.
Como foi a revolta: principais acontecimentos
A Revolta da Cachaça eclodiu em novembro de 1660, com ampla participação de setores da população do Rio de Janeiro, especialmente comerciantes, produtores e pequenos proprietários. O movimento ganhou rapidamente força e culminou na deposição do governador Salvador Correia de Sá e Benevides, que foi destituído de seu cargo e deportado pelos revoltosos.
Durante os dias de conflito, os insurgentes ocuparam espaços públicos, atacaram propriedades de aliados do governador e tomaram o controle das decisões políticas locais. A rebelião foi marcada por um caráter espontâneo e pela ausência de uma liderança centralizada. No entanto, destacaram-se algumas figuras locais influentes que buscaram legitimar o movimento como uma ação em defesa dos direitos e da dignidade dos moradores da cidade.
Apesar da violência pontual, a revolta se organizou em torno da demanda por liberdade econômica e contra a intervenção da Coroa nos assuntos internos da colônia. O fato de os revoltosos terem conseguido derrubar um representante régio demonstra o nível de articulação e descontentamento da população local.
Como terminou a revolta
A Revolta da Cachaça durou algumas semanas até que o governo português decidiu intervir diretamente. O movimento foi duramente reprimido pelas forças metropolitanas, enviadas para restaurar a autoridade da Coroa. A repressão contou com prisões, punições exemplares e a instauração de inquéritos contra os envolvidos.
O novo governador nomeado por Portugal retomou o controle da cidade e anulou as decisões tomadas pelos insurgentes. A produção de cachaça voltou a ser autorizada alguns anos depois, mas sob rígido controle fiscal, com a imposição de tributos específicos para garantir a arrecadação da metrópole. Apesar da repressão, a revolta teve impacto duradouro sobre a política colonial, forçando a Coroa a rever algumas de suas práticas.
Consequências da Revolta da Cachaça:
- Flexibilização da proibição da cachaça: embora a produção da bebida continuasse a ser fiscalizada, a Coroa acabou por reconhecer a inviabilidade da proibição total. A cachaça passou, assim, a ser legalizada, com a condição de que estivesse sujeita à tributação, gerando receitas para os cofres portugueses.
- Reforço do controle metropolitano: a revolta evidenciou o risco que movimentos locais representavam para o domínio português, levando a um fortalecimento do aparato administrativo e militar nas capitanias coloniais, especialmente no Rio de Janeiro.
- Precedente para outras revoltas: a Revolta da Cachaça serviu de inspiração para movimentos posteriores, como a Revolta de Beckman (1684) e outras insurgências coloniais que expressavam o descontentamento com o domínio lusitano e a defesa de interesses locais.
- Afirmação de uma identidade colonial: o episódio também contribuiu para a formação de uma consciência coletiva entre os colonos brasileiros, ainda que incipiente, em relação aos abusos da administração portuguesa, antecipando os embates que culminariam, mais tarde, no movimento pela independência.
|
A Revolta da Cachaça representou uma das primeiras manifestações de resistência popular contra os abusos fiscais e o controle metropolitano no Brasil colonial, evidenciando os conflitos entre interesses locais e o poder central da Coroa portuguesa. |
_____________________________
Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela USP)
Publicado em 19/04/2025
Veja Também
- História do BRASIL COLONIAL
- Revoltas Emancipacionistas no Brasil: exemplos, causas e exemplos
- Sociedade Açucareira no Brasil Colonial: características e resumo
- Economia Açucareira no Brasil Colonial: características
- Produção de Açúcar no Brasil Colonial
- Ciclo do Açúcar: o que foi, contexto histórico, características e economia
Fontes de Pesquisa e Bibliografia Indicada
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.