Revolta dos Malês: o que foi, contexto histórico, causas e consequências

A Revolta dos Malês (1835) foi um levante de africanos muçulmanos escravizados e libertos em Salvador, motivado pela repressão religiosa e pelas condições de vida opressivas, sendo rapidamente reprimida pelo governo imperial.

Revolta dos Malês: exemplo de resistência dos africanos escravizados.
Revolta dos Malês: exemplo de resistência dos africanos escravizados.

 

O que foi

A Revolta dos Malês foi um dos mais significativos levantes de africanos escravizados no Brasil, ocorrendo em Salvador, na Bahia, em janeiro de 1835. Esse episódio marcou a história da resistência escravizada e demonstrou a insatisfação dos africanos islâmicos com a opressão imposta pela escravidão e pelas políticas coloniais. O termo "malês" referia-se aos africanos muçulmanos que sabiam ler e escrever em árabe e que desempenhavam um papel central na organização da revolta.


Contexto Histórico


O Brasil do início do século XIX vivia um período de transformações políticas e sociais. A independência do país, proclamada em 1822, não significou uma ruptura com a estrutura escravista. Pelo contrário, a economia brasileira continuava dependente do trabalho escravizado, especialmente na produção de açúcar e tabaco no Nordeste. Salvador, uma das cidades mais importantes do país, possuía uma grande população de africanos escravizados e libertos, muitos dos quais eram muçulmanos que mantinham tradições culturais e religiosas próprias.

Além disso, o Império do Brasil enfrentava diversas instabilidades internas, como a Revolução Farroupilha (Guerra dos Farrapos) no Sul e revoltas regionais que contestavam a autoridade imperial. A elite baiana temia os movimentos insurrecionais, principalmente os protagonizados por africanos, pois esses levantes podiam ameaçar a ordem social e econômica baseada na escravidão.



Causas da revolta:


- Repressão à cultura islâmica: os africanos muçulmanos enfrentavam perseguições por parte das autoridades coloniais e da Igreja Católica, que consideravam suas práticas religiosas uma ameaça. Muitos eram proibidos de exercer sua fé e eram forçados a adotar o cristianismo.

- Condições de vida dos escravizados: os africanos escravizados sofriam com jornadas exaustivas, castigos físicos e ausência de direitos. A revolta surgiu como resposta a essas condições desumanas.

- Influência de levantes anteriores: rebeliões de escravizados ocorridas na Bahia, como a Revolta dos Búzios (1798) e a Revolta de Manuel Congo (1834), inspiraram os malês a se organizarem para buscar a liberdade.

- Esperança na abolição da escravidão: muitos africanos muçulmanos acreditavam que poderiam conquistar a liberdade através da revolta e, em alguns casos, havia a expectativa de receber apoio de forças externas, como de nações africanas islâmicas.

- Desigualdade entre libertos e escravizados: embora houvesse uma população de africanos libertos em Salvador, eles também enfrentavam discriminação e restrições, o que os levou a apoiar a revolta contra o sistema opressor.



Como foi a revolta


A insurreição começou na madrugada de 24 para 25 de janeiro de 1835, em Salvador. Os malês haviam se organizado secretamente, recrutando participantes entre escravizados e libertos. O plano original era atacar diversos pontos da cidade simultaneamente, libertar os escravizados e tomar o controle da cidade.

Entretanto, a revolta foi descoberta antes de sua deflagração, pois as autoridades receberam informações sobre o levante por meio de denunciantes. Mesmo assim, centenas de insurgentes tomaram as ruas, enfrentando as tropas do governo imperial. Os revoltosos usavam roupas brancas e levavam armas como espadas e facas. O confronto foi intenso, especialmente nos bairros da Lapinha e do Carmo, onde os malês resistiram bravamente.



Como terminou (desfecho)


Apesar da coragem dos insurgentes, a revolta foi brutalmente reprimida pelas forças do governo. Em poucas horas, os malês foram derrotados e muitos foram mortos em combate. Após a repressão, iniciou-se um processo de julgamento e punição dos envolvidos. Cerca de 70 rebeldes foram mortos, enquanto outros 500 foram presos. Muitos dos participantes foram condenados a trabalhos forçados ou ao degredo, sendo enviados para a África.



Consequências principais:


- Aumento da repressão contra africanos muçulmanos: após a revolta, o governo intensificou a perseguição contra africanos islâmicos, proibindo a prática do islamismo e reprimindo qualquer tentativa de organização entre escravizados.

- Restrições à alforria: o Império do Brasil impôs novas restrições à concessão de cartas de alforria, dificultando a libertação de africanos escravizados e limitando os direitos da população negra livre.

- Políticas de deportação de africanos libertos: muitos libertos passaram a ser deportados de volta para a África, especialmente para Lagos, no atual território da Nigéria, como forma de reduzir a influência dos africanos na sociedade baiana.

- Influência em futuros movimentos abolicionistas: apesar da repressão, a Revolta dos Malês inspirou outros movimentos de resistência contra a escravidão, alimentando o debate sobre a necessidade da abolição e reforçando a luta pela liberdade.

- Medidas de controle sobre a população negra: o governo implementou políticas para evitar novas revoltas, como maior vigilância sobre os africanos e restrições à circulação de pessoas negras, especialmente em Salvador.

 

Conclusão

A Revolta dos Malês foi um marco na história da resistência escravizada no Brasil, evidenciando a luta dos africanos por liberdade e o medo da elite escravocrata diante da possibilidade de revoltas organizadas. Embora tenha sido derrotada, a insurreição dos malês demonstrou a força dos africanos escravizados e libertos na luta contra a opressão.

 

Ilustração mostrando escravizados africanos com espadas numa revolta, com fogo num prédio.

Revolta dos Malês (imagem gerada por IA com objetivo meramente ilustrativo).

 

 

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Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela USP)

Publicado em 22/02/2025